sexta-feira, 29 de abril de 2011

E agora, o que faço?




Faleceu. Esta palavra ecoa nos nossos ouvidos e é bastante difícil processá-la de imediato. Achamos que ouvimos mal. Então, perguntamos novamente e ouvimos o mesmo. Faleceu. A nossa energia como que instantaneamente desaparece ou reduz significativamente. Depois tudo varia de acordo com a proximidade à pessoa, a surpresa ou o esperado, a nossa forma de reagir a situações emocionalmente intensas. A partir daqui surge uma série de questões, uma delas é: e agora, o que faço? 

Se faleceu algum familiar de um amigo ou de um familiar nosso, ficamos sem saber se devemos ligar, aparecer ou aguardar. Quando estamos com eles, ficamos sem saber o que dizer para os reconfortar. É difícil saber qual a melhor atitude. Mas porquê esta dificuldade? Talvez porque não podemos fazer nada para mudar o acontecimento ou talvez porque as pessoas reagem de forma diferente à perda ou, ainda, porque dentro de tanta tristeza, é difícil reconfortar, apaziguar a dor. 

Outro aspecto interessante diz respeito ao que se deve ou não deve fazer nestas situações. Uma delas é clara:  não atender o telemóvel durante o funeral (parece surreal, mas eu vi isto). Muitos acham que o luto tem de implicar silêncio e por isso nada de música, nem televisão. Muitos acham que o luto passa por usar roupas escuras, semblante cerrado e pouca actividade social. Parece que só estás de luto se mostrares tudo isto. Parece que as pessoas esquecem que há todo um conjunto de processos que vão surgindo à medida que o tempo vai passando. 

Tempo. É verdade que existe um tempo para ultrapassar o luto? Muitas vezes se ouve, "ai e tal, o marido faleceu há 3 meses e já anda com roupa colorida" ou então "passou-se um ano e ainda tem as coisas tal e qual como ele as deixou". Qual será o tempo do processo de luto? Não há tempo definido. Será que esse processo termina ou a pessoa aprende a viver com a situação?

Outro aspecto importante é a sobreprotecção das pessoas junto dos mais frágeis e que sofrem directamente a perda. Esta sobreprotecção é bem intencionada e surge com o intuito de minimizar o sofrimento à pessoa. Mas é importante respeitar a vontade da pessoa. Se ela quer velar o ente querido que faleceu, deixem-na ir. Se quer ir ao funeral deixem-na ir. Pode ser importante para o seu processo de luto. No entanto, o oposto também deve ser respeitado. É importante falar sobre isto. É importante perguntar: Como queres fazer? E se a pessoa entretanto mudar de ideias, é importante que seja capaz de o expressar e também de ser ouvida. Apesar de não se saber muito bem o que é mais correcto (se é que há certo ou errado no meio disto tudo, exceptuando a parte do telemóvel, claro), é importante comunicar.

Há tempos, pensava que as pessoas precisavam que respeitassem o seu espaço durante um velório ou funeral. Achava abusivo o facto de aparecer um mar de pessoas e dirigir-se à família sofrida e cumprimentar e tentar que falassem. Mas apercebi-me que essa presença é importante. Ajuda a suportar um bocadinho mais a dor, a sentir que somos queridos, a exteriorizar o que sentimos e guardamos junto ao nó na garganta que insiste em não desatar.

Esta questão do luto é bastante complexa e cultural, também. Mas penso que estas fases estão sempre presentes: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação (teoria Kubler-Ross). Os amigos, os familiares serão sempre importantes para nos ajudar. Muitas vezes, pode ser benéfica a consulta junto de um profissional. Penso que é importante "deitar cá para fora" o que nos vai na alma e no coração. Como? Não há uma solução milagrosa, mas são vários os caminhos possíveis.

4 comentários:

  1. Pegaste numa questão melindrosa, tocante, profunda. Que por momentos nos faz parar pa pensar principalmente quando acontece na casa dos outros, não é algo que estejamos obcecadamente a pensar, mas sabemos que um dia bate a nossa porta. Mas o facto é que é mesmo assim, é o tal dito "bate à porta de todos". Tu, eu, axo que todas as pessoas ja passaram por isso, uns de uma forma mais marcante, outros por algum familiar menos próximo, outros porque vivenciaram a dor de algum amigo, seja de alguem proximo ou distante axo que nunca é leviano para ninguem.
    Eu por exemplo so de presenciar o ritual em si, mesmo que nao seja alguem de familia faz me xorar na mesma porque toca quando vemos os outros sofrer.As palavras, essas nao sao fáceis de dizer, um abraço forte profundo, um olhar diz tudo.Chorar liberta uma dor que nao ha palavras que confortem. Concordo ctg que para se viver a perda nao ha tempos, maneiras, regras. Cada um sente dentro de si o efeito que a perda lhe trás. A saudade de uma presença física, a saudade da voz, de tudo, a saudade no fundo é a falta da pessoa por completo. Cada um de nos ja vivenciou nem que tenha sido um pouco, e cada um sofreu a sua maneira, viveu o luto a sua maneira e tentou procurar forças para a cada dia ter esse alguem presente de varias formas. São palavras sábias aquelas que dizem quem não é esquecido nao está morto. E eu creio que é um pouco assim. Termino dizendo que nós os seres humanos temos a consciencia que é algo que temos que passar todos, mas que ninguem esta preparado. Respeito todas as formas de luto, axo algo muito íntimo para ser comentado, a dor de alguem é algo que merece todo o respeito.E a Vida, essa é para ser aproveitada em todos os seus momentos, aproveitar quem está a nossa volta valorizar as pessoas ao nosso redor e a nos mesmos, termos amigos, para um dia sabermos ter vivido para depois sabermos confortar. Sobretudo este tema pede Amor no seu estado mais simples e puro. Afinal se nao houver amor seja no que for talvez nada valha a pena......

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  2. alguem que pensa que te conhece2 de maio de 2011 às 11:04

    já soube muito sobre ti, agora sei pouco sobre ti... mas gosto da forma como escreves e como descreves as situações... não sei qual é a tua área profissional, mas já pensaste em levar o escrever mais a sério?! em relação ao tema, este ano iniciou-se com o desaparecimento de alguém querido... ao ver o companheiro dessa pessoa a olhar horas a fio para o caixão, a forma como ele olhava para ela fazia-nos querer que ele estava á espera de acordar daquele pesadelo, a mim tocou-me bastante, porque após algums meses desse triste desaparecimento, continuo com a certeza que ele ainda tinha esperança que ela acordasse, pela forma inédita como ele olhava, essa é a minha convicção. Não sou muito de palavras nessas situações, por isso fiquei-me por um forte e acolhedor abraço, e muitas lágrimas perdidas...

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  3. vou pensar nisto! digo algo em breve! :)

    Rute

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  4. @Sandra: obrigada pelo comentário. Concordo com tudo o que disseste, mas queria acrescentar que, infelizmente, há pessoas que acham que o luto se deve realizar de uma forma específica. Pior, censuram as pessoas sem qualquer tipo de vergonha na cara. Talvez lhes falte o ingrediente fundamental que realçaste: o AMOR.

    @Alguém que pensa que te conhece: Obrigada pelo comentário e pela sugestão :) Quanto ao infortúnio do teu amigo, a tua presença e o acolhedor abraço foram, com certeza, muito importantes para ele. E isso conta, apesar de não conseguirmos sequer imaginar a dor que estava a sentir e ainda sente.

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